Alô, Rui?
Rui, é o Anésio.
Grande Freitas!
Não o Freitas. É Anésio, o Pontes.
Grande Pontes!
Desculpa, não sei se te acordei, ou se tirei sua concentração, sei que você gosta de escrever à noite, mas eu precisava falar contigo. É que eu tava escrevendo e… e…
Fala, Anésio.
Bom, é que…
Vou direto ao ponto.
Pra não enrolar e falar logo.
Já tá enrolando.
Então vou dizer.
Já podia ter dito.
Tá. Sem arrodeios.
Tá arrodeando.
Cara, eu sonhei que tava chupando o Verissimo.
Ah, Freitas, quem nunca….
Não é o Freitas, é o Pontes. Pon-tes.
Grande Pontes! Relaxa, quem nunca deu uma chupadinha numa ideia, num diálogo ou num conto do Verissimo?
Não, não é só isso.
E o que é então?
Eu não tava exatamente chupando as ideias do Verissimo, se é que você me entende.
E o que você tava chupando então, cacete?
Isso o quê?
O cacete.
Como assim, o cacete, cacete?
O cacete. O pau, a bilola, a manjuba, a tromba, o maranhão, a rola do Verissimo, porra.
A porra também?
Não, a porra não. Porra, Rui, sei lá. Enfim, eu sonhei que tava pagando um boquete no Verissimo.
Vai ver é um desejo inconsciente, você admira tanto ele. Normal querer sugar um pouco da genialidade do mestre. Mas cair de boca no canudo realmente é estranho.
Aí é que tá: eu sonhei com essa porra, acordei com uma ideia e escrevi algo muito bom, Rui. Um conto de humor, sarcástico, leve, um tema comum, cotidiano. Ficou Genial, Rui, genial! Mas ficou a cara do Verissimo, entende?
Bom pra você. Publica, oras.
E se descobrem?
Se descobrem o que?
Que ontem eu sonhei que dava uma chupada no Verissimo e hoje escrevi um conto hilário com a cara e o estilo dele?
Isso aí já é paranóia.
Eu tô me sentindo como uma prostituta, sabe? Eu chupo o cara e tenho uma ideia que parece que foi do cara que eu acabei de chupar. Parece que eu tô pagando a ideia com um boquete. Sei lá, não tô me sentindo honesto com isso. Fora que eu não gosto de sonhar que tô chupando o pau de ninguém, né? Parecia tão real, Rui, tão real.
Calma. Vai dormir um pouco, tenta não pensar no Verissimo. Amanhã você decide o que fazer com a cabeça fresca. Mas se me permite um conselho…
Foi pra isso que te liguei, Rui.
Você sempre quis ter uma casa em Búzios, não é?
O que isso tem a ver?
Você tem vontade de morar em Paris, não tem?
Também. Mas…
Se você quer realizar isso tudo sendo escritor, tenta sonhar com o Paulo Coelho hoje, que amanhã você vai escrever uma merda que vai fazer sucesso em mais de oitenta países. E dorme tranquilo, todo mundo fala que ele tem o pau pequeno.
Mateus Barbosa nasceu em Maceió-AL, em 1977. Atualmente vive entre o Recife e o Rio de Janeiro. É escritor de contos e crônicas e roteirista da Rede Globo, onde escreve seriados de TV. É incoerente, paradoxal, vive se contradizendo, se sente como uma fraude e vive tentando não ser desmascarado.